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A organização não-governamental (ONG) especializada em tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e AIDS, o Centro Corsini, desde 1987 tem sido procurado em busca tanto de tratamento quanto de informações sobre formas de prevenção. Em função de localização geográfica, agilidade e privacidade, muitas vezes essas informações eram solicitadas por telefone.
Percebendo que o telefone se tornara um método eficaz de transmissão de conhecimentos, manutenção do sigilo de identidade e realização de encaminhamentos, em 12 de janeiro de 1994, através de convênio entre o Centro Corsini e o Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde, oficializou-se o serviço de informação por telefone que, na época, foi denominado Disk-AIDS e em 1997 foi renomeado para Teleaids.
O Teleaids teve sua qualidade reconhecida em duas ocasiões, inicialmente em 1997, servindo como modelo para a implantação do Disk Aids do Ministério da Saúde e, posteriormente, em 2002, na estruturação do Alô Vida em Moçambique, na África.
Os anos de experiência em atendimentos de ligação sobre DST/AIDS explicitaram que, ao lado das questões específicas sobre AIDS, o usuário sempre demonstrava grande interesse por questões relacionadas à sexualidade humana.
Devido a isso, em outubro de 2002 o Teleaids iniciou o processo de seleção de material e treinamento de membros da equipe para o atendimento de perguntas sobre sexualidade.
A partir de 26 de maio de 2003 o Teleaids iniciou os atendimentos de sexualidade, contando já com uma equipe treinada, que é periodicamente supervisionada pela Comissão de Sexualidade do Centro Corsini, composta por uma pedagoga, um ginecologista, uma psiquiatra e duas psicólogas.
No dia 28 de junho de 2004 o Teleaids completou dez anos de funcionamento, tendo atendido a 144.377 ligações. Anonimato e gratuidade sempre foram características do serviço 0800, proporcionando ao usuário o acesso à informação cientificamente embasada e eticamente transmitida.
Hoje o Teleaids é um serviço vinculado ao Setor de Educação para Prevenção do Centro Corsini, localizado em Campinas, e realiza atividades de informação para prevenção em escala nacional através da linha telefônica 0800-11-12-13, do endereço eletrônico teleaids@centrocorsini.org ou, ainda, através do site www.centrocorsini.org. Os temas tratados são HIV/AIDS, DSTs e sexualidade.
Usando os recursos dessa nova ferramenta de comunicação, os objetivos do presente trabalho foram estudar o perfil sociodemográfico do usuário entre 15 e 19 anos e, através das perguntas formuladas ao Teleaids, obter a descrição de suas principais dúvidas em relação a DST/Aids e sexualidade. A intenção é que, através da obtenção do perfil do adolescente dessa faixa etária, se desenvolvam campanhas e atividades educativas, além de poder instrumentar políticas de prevenção de gravidez precoce e diminuição de infecções genitais.
MATERIAL E MÉTODOS
O Teleaids desenvolve suas atividades numa sala própria no prédio de ambulatórios do Centro Corsini, localizado em Campinas, São Paulo, atendendo ligações através de uma linha 0800 e contando com três posições de atendimento: duas funcionando durante todo o expediente e uma terceira que é ativada de acordo com a demanda e a disponibilidade dos profissionais.
A equipe é formada por oito atendentes, sendo seis com curso superior. Todos foram treinados nos conceitos básicos de DST/AIDS e sexualidade, alicerçados em conhecimentos de ética e biossegurança, além de terem passado por um treinamento interno com ligações supervisionadas para adequação de linguagem e postura de atendimento.
O serviço conta com dois programas de consulta de informação, um sobre DST/AIDS e outro sobre sexualidade, que são usados como ferramenta de apoio durante os atendimentos. Os registros das ligações são coletados em uma ficha de registro que caracteriza as ligações de acordo com o tipo de dúvida e o perfil do usuário.
O presente estudo usou como intervalo de idade o período entre 15 e 19 anos e as dúvidas referentes a sexualidade e DST/AIDS durante o ano de 2003. Os dados foram analisados através de médias simples e distribuição percentual de forma tabular e gráfico de barras.
RESULTADOS
PERFIL DAS LIGAÇÕES E DOS USUÁRIOS ENTRE 15 E 19 ANOS
Durante o ano de 2003 o Teleaids/Centro Corsini registrou 35.875 ligações. Deste total, 20.144 foram referentes a DST/AIDS, 5.355 a sexualidade e 10.376 ligações foram trotes e enganos.
As ligações de usuários na faixa etária de 15 a 19 anos totalizaram 6.898 perguntas (74%) sobre DST/AIDS e 2.323 (26%) sobre sexualidade.
Foram registradas 2.441 ligações do sexo masculino para esclarecer dúvidas sobre DST/AIDS e 1.069 sobre sexualidade. Dos atendimentos realizados para o sexo feminino, 1.908 foram destinados a esclarecimentos sobre DST/AIDS e 993 sobre sexualidade.
Percebe-se que há prevalência do sexo masculino. Pessoas do sexo masculino representam 12% a mais nas ligações sobre DST/AIDS e 4% a mais naquelas sobre sexualidade.
Uma das justificativas possíveis para esses resultados seria a de que o homem pode ter menos acesso a publicações que tratam de temas de sexualidade, como as revistas femininas, assim como também não tem a mesma propensão das mulheres para discutir esses assuntos dentro de seu círculo familiar ou mesmo de amizades.
Adolescentes solteiros foram a maioria entre nosso público, totalizando 90% das ligações (3.800) sobre DST/AIDS e 94% (1.837) sobre sexualidade. Observou-se pequena proporção de casados, amasiados, divorciados e viúvos entre os usuários adolescentes.
O grau de escolaridade que se sobressaiu nos registros realizados pelo Teleaids foi ensino médio incompleto, com metade das ligações (2.039) destinadas a DST/AIDS e 54% (1.040) à sexualidade. É compreensível que adolescentes nessa faixa etária estejam cursando o ensino médio, pois esse nível de escolaridade condiz com a faixa dos 15 aos 19 anos.
Também foi alta a porcentagem daqueles que não completaram o ensino fundamental. Esse dado pode ser proveniente de adolescentes que repetiram de série na escola, deixaram de estudar ou de pessoas que realizam supletivo.
O telefone público representou 58% das ligações (2.461) que foram destinadas a DST/AIDS e 61% dos atendimentos (1.195) para sexualidade. A telefonia móvel (celulares) é responsável por aproximadamente um quarto das ligações.
Uma das possíveis justificativas para o elevado número de ligações provenientes de telefones públicos pode estar relacionada à privacidade na utilização desse serviço, ou seja, pode-se utilizá-lo sem que parentes ou amigos presenciem. O telefone público também é bastante usado em horário de almoço e durante os intervalos do trabalho ou escolares. Além disso, é localizado com facilidade, principalmente próximo a escolas e locais de grande fluxo de pessoas. O uso da telefonia móvel também parece estar relacionado à privacidade na hora da ligação e porque o adolescente pode utilizá-la sempre que tiver um horário disponível, pois o aparelho freqüentemente o acompanha.
DÚVIDAS SOBRE DST/AIDS E SEXUALIDADE
As perguntas mais freqüentes sobre DSTs entre os adolescentes são relacionadas a sintomas que a pessoa pode desenvolver. Normalmente os adolescentes ligam para o serviço descrevendo um sintoma e querem saber se o mesmo pode ser uma DST (Tabela 1).
A pergunta mais freqüente sobre HIV/AIDS, com 37% do total de questionamentos sobre a transmissão, é: Como se pega?
Poucas perguntas foram formuladas sobre transmissão por transfusão de sangue e/ou por drogas injetáveis.
Especificamente em relação à sexualidade notou-se que um terço dos adolescentes se interessam, particularmente, por perguntas diretas sobre as relações sexuais e uma porcentagem de quase 40% teve dúvidas sobre anatomia e fisiologia, mostrando um provável campo vulnerável. Possíveis falhas na educação básica sobre os genitais masculinos e femininos talvez expliquem essa procura dos adolescentes (Tabela 2).
A anticoncepção foi dúvida freqüente entre os adolescentes e notou-se que um quinto deles se interessou sobre detalhes relativos aos métodos comportamentais, seguidos pelos métodos de barreira e hormonais. Pouco se perguntou especificamente sobre o dispositivo intra-uterino (DIU) e o implante hormonal (Tabela 3). O grande interesse pelo método comportamental pode estar relacionado ao fato de que mudanças no comportamento não trazem gastos e, mais que isso, não deixam provas de que esse jovem já iniciou a sua vida sexual.
A masturbação e o sexo oral responderam por quase metade (47%) das perguntas sobre relações sexuais. Também foi interessante notar que expressivos 49% dos adolescentes perguntaram sobre fantasias sexuais e 16% fizeram indagações sobre sexo explícito, nessa categoria (Tabelas 4 e 5).
DISCUSSÃO
A adolescência é um período marcado por reações emocionais e transformações corporais próprias. Enquanto a puberdade é uma etapa fisiológica em que se adquire a capacidade de procriar, a adolescência é um fenômeno psicossexual cujas manifestações variam em função da educação e da cultura do adolescente em seu meio social.
A atividade sexual na adolescência vem se iniciando cada vez mais precocemente e, com isso, aumentam as conseqüências da sexualização infanto- juvenil. Uma das principais conseqüências é o aumento da freqüência de DSTs nessa faixa etária, bem como os números alarmantes de gravidez na adolescência.
Com intuito de se desenvolver novas estratégias, visando a prevenir de DST/HIV e diminuir a gravidez na adolescência, o Centro Corsini de Campinas tem se dedicado a ações educativas de prevenção e informação. Entre essas ações se destaca o serviço de informações telefônicas, o Teleaids, que foi o instrumento usado na obtenção dos dados deste trabalho.
O elevado número de ligações telefônicas (cerca de 9 mil no ano de 2003) mostrou um grande interesse dos adolescentes entre 15 e 19 anos, que – provavelmente resguardados pelo sigilo e pela abordagem ética do Teleaids – podem se manifestar de uma maneira mais livre e aberta expondo suas dúvidas com clareza e interesse na busca de informações novas ou que solidifiquem seu conhecimento.
Naturalmente o estudo tem limitações, o que se pode observar, por exemplo, no grande número de ligações de engano e/ou trotes. Freqüentemente nota-se que a ligação se torna mais uma brincadeira do adolescente, e não é raro o adolescente confundir ou encarar o Teleaids como mais um serviço de tele-sexo, hoje tão espalhado pelas mídias impressas e televisivas.
Tais situações são sempre discutidas nas reuniões de avaliação da Comissão de Sexualidade do Centro Corsini, responsável pela supervisão das atendentes treinadas. Outra limitação é que o banco de perguntas vai se formando e ganhando corpo à medida que as perguntas se acumulam, o que dificulta a criação e a manutenção das categorias de perguntas. Assim, fica difícil a comparação dos nossos dados com os de outros serviços semelhantes, pois, pelo que temos conhecimento, este trabalho de divulgação, nesta forma científica de apresentação, é pioneiro.
Esperamos que este estudo, baseado na experiência do Teleaids do Centro Corsini, possa apontar para estratégias focadas nas dificuldades encontradas pelos adolescentes e que auxilie, de certa forma, nessa difícil tarefa em que se procura diminuir as DSTs e a gravidez na adolescência neste país. Outra esperança é de que o Teleaids possa se disseminar para outros serviços no Brasil, à semelhança do que ocorreu em Moçambique (África) com o Alô Vida, criado com a supervisão técnica do Centro Corsini, e cuja primeira ligação foi realizada por Nelson Mandela, para nosso orgulho e de nosso generoso país.
CONCLUSÕES
Durante o ano de 2003, o Teleaids do Centro Corsini registrou 35.875 ligações telefônicas. Deste total, 20.144 foram referentes a DST/AIDS, 5.355 a sexualidade e 10.376 foram trotes e enganos. As ligações de usuários na faixa etária de 15 a 19 anos totalizaram 6.898 ligações (74%) sobre DST/AIDS e 2.323 (26%) sobre sexualidade.
O telefone público foi o mais usado para as ligações (cerca de 60%) e o celular foi o preferido por cerca de um quinto dos usuários.
A grande maioria dos usuários tinha ensino médio incompleto e era composta de solteiros.
As dúvidas mais freqüentes sobre DST/AIDS foram relativas às formas de transmissão sexual do HIV e pouco se perguntou a respeito da transmissão por transfusão ou drogas.
As perguntas referentes à sexualidade se concentraram na descrição e nas formas de relação sexual, com grande interesse por masturbação. Chamou atenção o grande número de perguntas concernentes a fantasias sexuais e sexo explícito.
Os dados podem ajudar como mais uma fonte de informações para desenvolver estratégias de prevenção e educação em DST/AIDS e na tentativa de diminuir a gravidez na adolescência.
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2. Laboratório Farmoquímica (FQM). Gravidez precoce: do pediatra direto ao obstetra. Caderno de Terapêutica, 2003.
3. US Agency for International Development (USAID). Behavioral surveillance surveys BBS. Guideline for repeated behavioral surveys in populations at risk of HIV. FHI, 2000.
4. Ruzany MH, Swarcwald C. Oportunidades perdidas na atenção ao adolescente na América Latina. Adolescência Latino-Americana. 2000;2(1):26-35.
5. Ministério da Saúde (Brasil). Programa de Saúde do Adolescente. Bases programáticas. Brasília, 1999.
6. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Manual de Adolescência. Comitê de Adolescência, 1990.
1. Centro de Controle e Investigação Imunológica Dr. A.C. Corsini – Campinas.