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A obesidade constitui-se em importante desvio nutricional que deve merecer a atenção dos profissionais da área de saúde. Na infância e na adolescência, o excesso de peso pode determinar dificuldades de socialização, assim como risco de morbidade para as principais doenças crônicas.
A obesidade é uma doença complexa, com etiologia multifatorial e conseqüências metabólicas heterogêneas. Ocorre quando há um desequilíbrio crônico entre a energia ingerida e a consumida.
Os adolescentes obesos têm maior risco de se tornarem obesos mórbidos. A adolescência é uma época em que a personalidade está sendo estruturada e a obesidade nesse período pode deixar marcas profundas.
A obesidade na infância e na adolescência apresenta como importante característica a possibilidade de prosseguir na vida adulta. Se em crianças a morbidade não é freqüente, já nos adolescentes verifica-se a concomitância de fatores de risco, como dislipidemias, hipertensão e aumento da resistência insulínica, que aumentarão a probabilidade de mortalidade na vida adulta.
A relação direta entre criança obesa/adulto obeso e os resultados desfavoráveis e frustrantes do tratamento da obesidade na criança, além dos efeitos adversos da obesidade no adulto, tornam cada vez mais importante sua prevenção.
Hoje no Brasil, principalmente nas classes menos favorecidas, a população, de modo geral, passa da desnutrição para o excesso de peso e obesidade e, se não forem aplicadas medidas eficientes para conter essa tendência, nos próximos 20 anos nosso país se encontrará na atual conjuntura dos EUA, onde a obesidade e suas complicações constituem um dos maiores problemas de saúde pública.
Os dados americanos dos exames nacionais de saúde nas últimas décadas mostram que a chance de uma criança obesa chegar à vida adulta como obesa está ao redor dos 16%. Um adolescente obeso terá essa chance aumentada, na proporção de 8:10.
Entre as conseqüências da obesidade, destacamos os problemas psicossociais como discriminação entre colegas e familiares, complicações ortopédicas, alterações posturais, Acanthosis nigricans, apnéia do sono, distúrbios gastrintestinais (refluxo gastroesofágico), além de problemas metabólicos (hiperinsulinemia e hiperlipidemia).
Em relação às complicações da obesidade, o que chama a atenção é uma entidade recentemente descrita, a esteato-hepatite não-alcoólica (EHNA). Inicialmente documentada em adultos, vem sendo observada também entre crianças e adolescentes. Sua prevalência está aumentando, provavelmente devido à ascensão da prevalência de obesidade e também pelo fato de a classe médica estar mais atenta para seu diagnóstico.
Essa patologia se destaca por seu curso freqüentemente latente, podendo ser diagnosticada incidentalmente em crianças assintomáticas e/ou com queixas vagas, como dor abdominal intermitente, e por seu amplo espectro evolutivo, que inclui desde casos com curso benigno até casos com evolução para cirrose, sendo potencialmente fatal. As opções de tratamento ainda são limitadas, mas a perda de peso gradual parece ser a medida mais efetiva.
Modificações de comportamento e hábitos de vida são os pilares fundamentais no tratamento da obesidade, que também inclui mudanças no plano alimentar e na atividade física. O objetivo do tratamento da obesidade em crianças e adolescentes é conseguir manter o peso adequado para a altura e ao mesmo tempo manter o crescimento e o desenvolvimento normais.
Por todos esses fatores, o tratamento da obesidade é complexo. As chances de um indivíduo obeso conseguir remissão permanente não ultrapassam 30% na maioria dos estudos. Até o momento, comprovou- se que 95% dos obesos mórbidos falham no intento da perda ponderal e de sua manutenção.
Importante ressaltar que ainda não existem tratamentos 100% eficazes para a obesidade. A reeducação alimentar é a melhor forma de tratamento, que deve ser mantido por longo prazo.
A dieta obviamente tem papel determinante na regulação energética e de fato constitui o principal fator desencadeante no desequilíbrio entre a entrada e o gasto energético. O consumo de alimentos industrializados é cada vez mais freqüente e esses geralmente têm alto conteúdo energético, à custa de gordura saturada e colesterol.
Na adolescência, por conta do estirão puberal, as necessidades calóricas estão aumentadas, com conseqüente aumento de apetite e ganho de peso. Nessa etapa, as características de comportamento peculiares, aliadas ao apelo da mídia e à influência do grupo, favorecem dietas não-balanceadas e hipercalóricas devido à ingestão contínua de alimentos do tipo fast food e lanches rápidos (com alto valor calórico) ricos em açúcar, carboidratos refinados e gordura saturada, em detrimento da alimentação habitual com a família.
A forma de preparar os alimentos e as quantidades ingeridas fazem com que algumas crianças consumam mais comida do que precisam e por isso ganham peso. A associação entre o excesso de peso e a ingestão alimentar é descrita desde o primeiro ano de vida.
Quando se levam em consideração as diversas condições mórbidas associadas à obesidade, bem como sua crescente prevalência e dificuldades inerentes ao tratamento, torna-se necessário identificar medidas preventivas eficazes. A prioridade deve ser dada a medidas simples, de baixo custo e sem potenciais efeitos adversos.
Sabe-se que é difícil mudar hábitos culturalmente estabelecidos e que é necessário um trabalho contínuo que respeite as características da comunidade. No processo de mudança é preciso conscientizar os profissionais de saúde, os indivíduos formadores de opinião e estimular programas de educação para orientar as gestantes e mães sobre a alimentação da criança no primeiro ano de vida.
Algumas áreas merecem atenção especial, sendo a educação, a indústria alimentícia e os meios de comunicação os principais veículos de atuação.
Se não houver mudança radical nos padrões de atividade física e alimentares de nossas crianças e adolescentes, teremos uma geração de adultos absolutamente acima dos padrões vigentes de peso, o que agravará ainda mais o aspecto clínicosocial da obesidade.
Através do conhecimento de fatores associados a hábitos alimentares, medidas educativas e preventivas podem ser propostas para a formação de um comportamento alimentar saudável e para a promoção da saúde da criança e do adulto.
O indivíduo inicia o seu desenvolvimento na infância até se tornar um cidadão útil e saudável. Ensiná-lo a comer de forma correta é tão importante como outras ações de prevenção e saúde, tal qual a vacinação em massa. Os bons hábitos alimentares servirão para a profilaxia das doenças crônicas degenerativas do adulto que são a endemia deste século.
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