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INTRODUÇÃO
Os transtornos alimentares fazem parte de um grupo de transtornos psiquiátricos caracterizados por padrões anormais na alimentação e por atitudes equivocadas sobre a importância do peso e do corpo, entre os quais se destaca a anorexia nervosa.
Uma das características essenciais desse transtorno é a recusa em manter o peso corporal no limite inferior da faixa considerada normal, associada a temor intenso de ganhar peso. Começa preferencialmente na adolescência, incidindo mais em pacientes do sexo feminino, da raça branca e pertencentes às classes socioeconômicas média e alta(1-5).
ANAMNESE E EXAME FÍSICO
Adolescente, 13 anos, sétima série do ensino fundamental, internada na enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (HUAP/UFF), com vômitos pós-prandiais, dor epigástrica, evacuações de pequena gravidade, emagrecimento, cefaléia, tonteira e amenorréia. O quadro clínico iniciou-se há um ano e três meses, justificando duas internações, mas não respondeu à terapêutica empregada.
Ao exame físico apresentava pele ressecada, queilite angular, lanugem, abdome escavado, atrofia muscular, lesões em áreas extensoras de ambas as mãos(3,4);peso = 30,7kg (p < 5); estatura=1,56cm (p = 25); índice de massa corporal (IMC)=12 (p < 5).
EVOLUÇÃO NA ENFERMARIA
Na primeira semana de dieta oral branda apresentou vômitos pós-prandiais freqüentes, K=2,1, concentração de íon hidrogênio (pH)=7,53, bicarbonato (HCO3)=34, e no eletrocardiograma (ECG) achatamento de onda T, o que motivou a reposição de eletrólitos. Nas semanas seguintes iniciou dieta via cateter nasogástrico e pequenas refeições. A paciente referia vômitos devido ao cateter e solicitou sua retirada, mas como não foi atendida, ela mesma retirou. Introduziu-se então cateter nasoenteral (CNE) e dieta oral zero. Após quatro dias observaram-se as seguintes manobras para diminuir o ganho de peso:
- ingestão de água (para ocasionar vômito);
- retirada do equipo da bomba;
- queixas de constipação (para usar laxantes);
- esforço frenético para agradar a equipe;
- observação constante de seu corpo no espelho;
- exercícios físicos no leito.
Paralelamente, a adolescente recebeu acompanhamento da Psiquiatria da Infância e Adolescência que constatou:
- medo intenso de engordar, mesmo estando abaixo do peso;
- perturbação no modo de vivenciar o peso;
- negação do baixo peso;
- indução de vômitos;
- humor gravemente deprimido;
- isolamento;
- insônia;
- ideação suicida.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Diagnosticou-se anorexia nervosa do tipo compulsão periódica/purgativa + transtorno depressivo e elaborou-se a terapêutica com fluoxetina 40mg/dia+clonazepam 2mg/noite via CNE, bem como atendimento psicoterápico diário. Detectouse também a presença de transtorno depressivo na mãe, o que motivou o seu tratamento com fluoxetina 20mg/dia, associado a atendimento psicoterápico diário. O quadro depressivo materno surgiu após o assassinato do pai da adolescente e interferiu na qualidade dos cuidados afetivos com a filha. Além disso, ocasionou relacionamento conflituoso entre a mãe e o seu atual marido(2,5). Ainda em uso de CNE, introduziu-se lentamente a dieta oral, não ocorrendo vômitos. Com um mês e 16 dias, peso de 35,2kg, IMC 14,46, observou-se (após retirada do CNE) total aceitação da dieta oral, melhora do humor depressivo, ausência de ideação suicida e participação nas atividades recreativas. A adolescente e sua mãe receberam alta, devendo prosseguir o tratamento ambulatorial na sua cidade natal(1-5).
CONCLUSÃO
A valorização do corpo magro é considerada um fator decisivo para se alcançar sucesso na vida pessoal e profissional. Esse conceito predominante nas grandes cidades tem atingido as regiões mais distantes, o que deve levar os pediatras a reformularem o conceito de que a anorexia nervosa não ocorre em zona rural.
2. Busse SR. Anorexia, bulimia e obesidade. São Paulo: Manole. 2004;31-179.
3. Gorgati SB, Amigo VL. Anorexia nervosa: manifestações clínicas: curso e prognóstico. In: Claudino AM, Zanella MT (eds.). Transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole. 2005;39-48.
4. Nunes MAA, Apolinario JC, Abuchaim ALG, Coutinho W, et al. Transtornos alimentares e obesidade. Porto Alegre: Artmed. 1998.
5. Salzano FT, Cordas TA. Tratamento farmacológico de transtornos alimentares. Rev Psiq Clin. 2004;37(4):188-94.
1 . Acadêmicos de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF).
2. Médica-residente de Pediatria da UFF.
3. Professora de Pediatria da UFF.
4. Professora de Psiquiatria da Infância e Adolescência da UFF.