ISSN: 1679-9941 (Print), 2177-5281 (Online)
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Vol. 4 nº 2 - Abr/Jun - 2007

Doença de Still na adolescência

INTRODUÇÃO

A doença de Still é uma enfermidade inflamatória sistêmica, rara e de etiologia desconhecida, sendo causa freqüente de febre de origem indeterminada no adulto(1). Apresenta-se de modo semelhante à artrite idiopática juvenil, na forma sistêmica, e pode ser considerada uma variante desta. Acomete ambos os sexos, na mesma proporção, e em 75% dos casos encontra- se na faixa etária entre 16 e 35 anos de idade, podendo, porém, acometer idades mais avançadas. Clinicamente caracteriza-se por febre alta com um ou dois picos diários, que pode preceder os outros achados clínicos-erupção cutânea evanescente, artralgias, mialgias intensas, poliartrite, serosite, linfadenopatia, hepatomegalia e esplenomegalia-por semanas ou meses(2). Nos exames laboratoriais podemos encontrar: leucocitose (superior a 15.000); anemia normocítica, normocrômica; alterações das enzimas hepáticas; aumento das proteínas de fase aguda, com níveis bastante elevados de ferritina(3). O diagnóstico diferencial se faz com as doenças infecciosas, neoplásicas e outras colagenoses. Pode apresentar curso clínico autolimitado, intermitente com reativações sistêmicas e articulares recorrentes, ou um curso crônico. O tratamento pode ser feito com antiinflamatórios não-hormonais (AINHs)(a indometacina parece eficaz nas fases iniciais da doença), corticosteróides ou agentes imunossupressores. Atualmente agentes biológicos estão sendo empregados no tratamento dos casos não-responsivos aos corticóides e aos imunossupressores(4).

CASO CLÍNICO

PRS, sexo masculino, 19 anos, negro, natural do Rio de Janeiro, residente de Nova Iguaçu, caso clínico Doença de Still na adolescência apresentou, um mês antes da internação, quadro de febre alta (39°C-40°C) associada a odinofagia, inapetência e astenia. Fez uso de antibioticoterapia oral (amoxicilina 500 mg de 8/8h por 10 dias) sem resolução do quadro febril. Evoluiu com emagrecimento de 3 kg em um mês, artralgia em joelhos, pés e ombros e persistência de febre alta (um a dois episódios diários).

Ao ser admitido na enfermaria do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto (NESA/HUPE), o paciente apresentava-se em regular estado geral, hipocorado (+/4+), febril (40°C), taquicárdico (FC:144 bpm), dispnéico (FR:32 irpm), com batimento de asas do nariz.

A ausculta cardíaca evidenciou sopro sistólico (2+/6+), pancardíaco, sem irradiações e a pressão arterial (PA) se encontrava 120 x 70 mmHg. Ausculta respiratória sem alterações, hepatoesplenomegalia e artralgia em joelhos, ombros e tornozelos. Restante do exame físico sem alterações.

EXAMES COMPLEMENTARES

  • Hemograma completo: leucócitos 23.000/mm3; segmentados: 76%, Hb = 10,1 g/dl; VCM = 80 fl (VR: 83-98); HCM = 27,7 pg (VR: 28-32); CHCM = 34,5 g/dl (VR: 31-35); RDW = 14,3%; plaquetas: 491.000/mm3;
  • VHS: 57 mm/h (VR: até 20 mm/h); proteína Creativa: 9,6 m% (VR: < 0,6);
  • função hepática: gama GT = 288 U/l (VR: 2-30 U/l); LDH = 783 U/l (VR: 230-460 U/l); fosfatase alcalina = 709 U/l (VR: 80-300 U/l); TAP = 61%;
  • sorologias virais negativas (anti-HIV 1 e 2, anti-HTLV 1 e 2, mononucleose infecciosa, citomegalavírus);
  • PPD não-reator;
  • hemoculturas, urinocultura e coprocultura negativas;
  • teste de Widal negativo;
  • fator reumatóide e FAN não-reagentes;
  • ferritina de 6.346 ng/ml (VR: 70 a 435 ng/ml);
  • radiografia de tórax mostrou discreto aumento de mediastino e área cardíaca;
  • eletrocardiograma demonstrou discreto supradesnivelamento do segmento S-T em D1, D2 e derivações precordiais, sugestivo de pericardite;
  • ecocardiograma evidenciou derrame pericárdico de leve a moderado, com sinais de aumento da pressão intrapericárdica, sem alterações valvares ou presença de vegetações.

O paciente iniciou tratamento com indometacina 100 mg/dia, porém permaneceu com febre e houve piora do quadro articular com artrite de ombros, cotovelos, coxofemoral direita, joelho esquerdo e articulações temporomandibulares. Houve regressão do quadro com o início de prednisona 60 mg/dia.

DISCUSSÃO

A doença de Still é caracterizada por febre alta, erupção cutânea evanescente e artrite, além do envolvimento multissistêmico: linfadenopatia generalizada, hepatoesplenomegalia, provas de função hepática alteradas, leucocitose neutrofílica, anemia normocrômica/normocítica, pneumonite, derrame pleural e pericardite. Envolvimentos renal e neurológico são raros. Níveis séricos de ferritina acima de 1.000 ng/ml correlacionam-se com a atividade de doença.

Embora seja considerada diagnóstico de exclusão, possui uma gama enorme de achados clínicos e laboratoriais, tendo sido possível a formulação de critérios diagnósticos desde a descrição da doença após 1971 por Bywaters.

 

No tratamento da doença de Still, os AINHs e os corticóides constituem usualmente o primeiro passo e são muito efetivos na maioria dos doentes, sobretudo na indução da remissão da doença aguda. O paciente do caso não respondeu ao uso do AINH, sendo iniciado corticóide (prednisona) com boas respostas clínica e laboratorial. Alguns pacientes não respondem bem à terapia convencional, então outros agentes, como hidroxicloroquina, sais de ouro e metotrexato (MTX), são usados. O uso da pulsoterapia com metilprednisolona está descrito como necessário em alguns casos da literatura.

A doença tem um curso altamente variável, com alguns pacientes evoluindo com remissão prolongada, outros tendo exacerbações intermitentes e outros, ainda, desenvolvendo uma desordem crônica persistente.

Causas de óbito incluem infecção, falência hepática, amiloidose, síndrome da angústia respiratória do adulto, falência cardíaca, status epilepticus, coagulação intravascular disseminada e púrpura trombocitopênica trombótica.

CONCLUSÃO

O diagnóstico de doença de Still é difícil de ser feito pela variedade da apresentação clínica e pela não-especificidade dos exames laboratoriais, porém deve ser considerado nos casos de febre de origem indeterminada em adolescentes, após a exclusão de causas infecciosas e neoplásicas.

Bibliographic References

1. Bywaters EGL. Still’s disease in the adult. Am Rheum Dis. 1971;30:121-33.

2. Yamaguchi M, Ohta A, Tsunematsu T, et al. Preliminary criteria for classification of adult Still’s disease. J Rheumatol. 1992;19:424-30.

3. Christine VR, Le Moel G, Lasne Y, et al. Serum ferritin and isoferritins are tools for diagnosis of active adult Still’s disease. J Rheumatol. 1994;21:890-4.

4. Oliveira, SKF. Reumatologia para pediatras. Rio de Janeiro: Ed. Revinter. 2003.

1. Residente de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ).
2. Médica pediatra; ex-residente de Medicina de Adolescentes do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) da UERJ.
3. Professora-adjunta de Medicina de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) do NESA/UERJ.
4. Professor-auxiliar de Medicina de Adolescentes da FCM/NESA/UERJ.