ISSN: 1679-9941 (Print), 2177-5281 (Online)
Official website of the journal Adolescencia e Saude (Adolescence and Health Journal)

Vol. 1 nº 4 - Out/Dez - 2004

Smoking among adolescents in a public school in the state of Rio de Janeiro

INTRODUÇAO

A nicotina é uma das substâncias que mais causam dependência química, e a maioria dos usuários de cigarro começa o uso na adolescência, com conseqüências para sua saúde a longo prazo. Os adolescentes fumantes sao mais vulneráveis a infecçoes respiratórias, patologias bucais e reduçao de sua capacidade física. A Organizaçao Mundial da Saúde (OMS) considera que o fumo é a principal causa de morte por câncer que pode ser evitada no mundo. Assim, várias campanhas antitabagismo têm sido criadas, visando principalmente o público jovem.

EFEITOS DO TABACO

A nicotina é uma substância extraída de uma planta denominada Nicotiana tabacum.

Ao se tragar o cigarro, a nicotina é levada aos pulmoes, sendo rapidamente absorvida e levada ao cérebro. Este percurso dura nove segundos em média.

Entre os efeitos conhecidos da nicotina temos a sua açao no sistema nervoso central (SNC), provocando elevaçao do humor e diminuiçao do apetite e do tônus muscular. Isso leva à sensaçao de relaxamento e, conseqüentemente, à necessidade cada vez mais freqüente de se buscar outro cigarro para obter novamente a mesma sensaçao.

Além de atuar no SNC, a nicotina também causa aumento da liberaçao de catecolaminas séricas, promovendo vasoconstriçao e aumentando a freqüência cardíaca com conseqüente elevaçao da pressao arterial; aumenta a adesividade plaquetária; atua no sistema digestivo estimulando a liberaçao de ácido clorídrico; e ainda estimula a liberaçao de substâncias quimiotáxicas no pulmao, o que acaba gerando a destruiçao da elastina e, por fim, provocando o enfisema pulmonar.

Os efeitos colaterais incluem náuseas, dores abdominais, diarréia, vômito, cefaléia, tonteira, bradicardia e fraqueza e aumento das freqüências cardíaca e respiratória, da pressao arterial e da atividade motora.

Os efeitos maléficos do cigarro iniciam-se com induçao de dependência química e de tolerância à droga, elevando assim, a longo prazo, o consumo desta substância. Pesquisas recentes revelaram que a sensaçao de tonteira nos primeiros cigarros fumados está associada a maior tendência à dependência química, indicando sua atuaçao direta sobre o SNC.

Existem diversas outras substâncias tóxicas no tabaco, além da nicotina: alcatrao (composto de arsênio; níquel; benzopireno; cádmio; resíduos de agrotóxicos; substâncias radioativas, como polônio 210, acetona, naftalina e fósforo P4/P6; e substâncias usadas como veneno de rato), amônia, formaldeído, naftalina, monóxido de carbono e acetato de celulose.

O uso contínuo do cigarro pode aumentar a incidência de infecçoes respiratórias, câncer (de pulmao, boca, faringe, laringe, esôfago, pâncreas, rim, bexiga, colo de útero e leucemia mielocítica aguda), doenças cardiovasculares [infarto agudo do miocárdio (IAM) e angina], doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC) (enfisema pulmonar e bronquite), trombose vascular, aneurismas arteriais, acidente vascular cerebral (AVC), úlcera digestiva, impotência sexual, catarata, entre outras.

O fumante passivo, que convive diariamente com fumantes, possui risco 30% maior de contrair câncer de pulmao, 24% mais probabilidade de sofrer um IAM, incidência três vezes maior de infecçoes respiratórias e doenças atópicas. Os bebês correm cinco vezes mais risco de síndrome de morte súbita e de doença pulmonar no primeiro ano. O feto de grávidas fumantes tem freqüência cardíaca aumentada, déficit do crescimento, prematuridade, alteraçoes neurológicas e maior incidência de doenças pulmonares e atópicas, além da elevaçao do risco de abortamento espontâneo.

EPIDEMIOLOGIA

Dados epidemiológicos dos EUA mostram que estudos realizados entre 1965 e 1995 revelaram que 15% a 49% da populaçao jovem faz uso de cigarro e que 90% dos tabagistas adultos o iniciaram em idade igual ou inferior a 18 anos. Cerca de 440 mil norte-americanos morrem por ano de câncer de pulmao e de doenças relacionadas ao uso do tabaco.

Na Europa, dados de 2000 mostram que a prevalência do tabagismo entre adolescentes foi maior no sexo masculino, sendo que na França essa marca é de 35%.

Atualmente, 80% de cerca de 1,2 bilhao de fumantes em todo o mundo vivem em países em desenvolvimento. Dos 100 mil jovens que começam a fumar a cada dia, 80% sao de países pobres.

Na América Latina, no Chile, em estudos de 1988, 1997 e 1999, o uso de cigarro entre os adolescentes começa em média aos 13 anos e a prevalência varia entre 10% e 64%. Na Costa Rica, em publicaçoes de 1987, a prevalência foi de 28,4%, iniciando-se na mesma faixa etária.

No Brasil, um terço da populaçao adulta fuma, e a prevalência de fumantes na adolescência varia entre 1% e 37%. A regiao Sul é a que possui maior número de fumantes (42% da populaçao), e a zona rural tem maior número de fumantes, talvez motivado pela maior propaganda, para tentar copiar o estilo urbano e por ter menos acesso aos conhecimentos de seu malefício.

Estudos recentes do Ministério da Saúde (MS), associados ao Instituto Nacional do Câncer (INCA), revelam que ocorrem aproximadamente 200 mil mortes associadas ao tabagismo por ano no Brasil, sendo 25% por doença coronariana, 45% de indivíduos com menos de 60 anos, 45% por IAM em menores de 65 anos, 85% por DPOC, 90% por câncer de pulmao (e um terço dos 10% restantes ocorre em fumantes passivos), 30% por outro câncer e 25% por doenças vasculares.

Após o abandono do cigarro, a incidência de algumas doenças começa a diminuir. Depois de um ano, a de doença cardíaca cai à metade, atingindo, em dez anos, porcentagem semelhante à da populaçao geral.

O MS revela que 90% dos fumantes iniciaram seu vício entre 5 e 19 anos, sendo que na zona rural o início é ainda mais precoce.

Estudos recentes revelaram uma reduçao de adolescentes fumantes, mas é importante que continuemos a diminuir o número de jovens que se tornam dependentes da nicotina.

O uso inicial de tabaco é bastante precoce na vida dos estudantes da rede pública de ensino, sendo que, entre 10 e 12 anos de idade, cerca de 11,6% já fizeram pelo menos uso experimental do cigarro, de acordo com o estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informaçoes sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). Nesse mesmo trabalho foi observado que 6% dos adolescentes sao usuários freqüentes do tabaco (MS, 1997; CEBRID).

OBJETIVO

O objetivo deste estudo é estimar a prevalência de fumantes entre adolescentes de 14 a 20 anos numa escola de ensino médio da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, bem como sua associaçao com o uso de drogas.

METODOLOGIA

Em 2003, o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) promoveu uma feira de saúde numa escola de ensino médio da rede pública da regiao metropolitana do Rio de Janeiro. Questionários anônimos auto-aplicáveis foram administrados entre alunos de 12 turmas para serem respondidos individualmente, com o objetivo de se conhecerem dados sociodemográficos, de morbidade, hábitos de vida, uso de drogas lícitas e ilícitas e atividade sexual. O questionário foi aplicado com consentimento da direçao escolar e após autorizaçao dos pais. Os critérios de inclusao no estudo foram questionários em perfeito estado, idade entre 14 e 19 anos, dados coerentes. E os de exclusao foram alunos acima de 20 anos, dados incoerentes e ausência de especificaçao de idade.

O desenho do estudo constitui-se numa análise transversal em que foram obtidas amostras estratificadas simples de 12 turmas, resultando em 294 estudantes escolhidos, com 276 questionários válidos.

O questionário foi aprovado, após submissao, pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Os dados foram tabulados e analisados através do programa Epi info versao 6.04, e para análise estatística foram realizadas média e razao de prevalência.

RESULTADOS

A prevalência de fumantes foi de 7,2% (n=20) entre os 276 questionários considerados válidos, valor que aumenta com a idade, sendo a média de 16 anos. A freqüência foi maior no sexo feminino (8,8%) do que no masculino (4,2%)(Tabela 1). A média diária de carga tabagística foi de dez cigarros por dia (Tabela 2). Verificou-se elevada relaçao entre o uso do tabaco e o do álcool; 75% dos fumantes disseram ingerir álcool freqüentemente, e os 25% restantes já o experimentaram em alguma ocasiao. Dos adolescentes fumantes, 45% disseram praticar exercícios rotineiramente. Quanto à atividade sexual, 32% do total de alunos já teve sua primeira relaçao, enquanto no grupo de fumantes encontramos 75% de prevalência de alunos com vida sexual ativa, sendo que 70% destes já tiveram relaçao sem uso de preservativo. Em termos de saúde, um tem hipotireoidismo; dois, anemia; um, resfriados freqüentes; um, asma; e um encontra-se em tratamento para tuberculose pulmonar.

CONCLUSAO

A adolescência é uma fase de experimentaçao e aceitaçao diante de seus pares, é uma busca constante de si mesmo e de sua identidade.

Os fatores que levam um jovem a iniciar o uso de cigarros incluem curiosidade pelo produto, imitaçao do comportamento do adulto, necessidade de auto-afirmaçao e encorajamento proporcionado pela propaganda. Ao ser questionado, o jovem em geral diz que sua referência como fumante é um amigo ou seus pais.

Atualmente, as indústrias do tabaco percebem no jovem uma reserva de mercado, direcionando, assim, as propagandas para este público.

Sabe-se que a incidência de uso de cigarros aumenta entre adolescentes expostos a outros jovens fumantes em razao da necessidade de serem aceitos no grupo. Neste estudo, observamos a prevalência de 7,2% de fumantes entre os adolescentes; estes dados corroboram os trabalhos internacionais. A pesquisa do Inquérito Nacional sobre o Tabagismo realizado pelo MS aponta uma diminuiçao no consumo de tabaco entre os brasileiros nos últimos 15 anos. Em 1989, a média de prevalência era de 29%, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutriçao (PNSN), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, esse índice é de 20%.

Nesse estudo, a média de idade dos que fumavam foi de 16 anos, observando-se um aumento da prevalência com a idade. Porém este dado pode estar prejudicado pela menor quantidade de alunos com 19 anos incluídos na pesquisa.

Quanto ao sexo, a maior freqüência observada entre adolescentes do sexo feminino demonstra a tendência ao aumento de consumo de cigarro observada em vários países do mundo, em especial nas áreas mais desenvolvidas. No inquérito do MS, os jovens escolares, na maior parte das capitais brasileiras, apresentavam uma proporçao de experimentaçao mais elevada entre os meninos do que entre as meninas, com exceçao das capitais do sul do país, onde essa situaçao se inverteu(4).

Cem por cento dos fumantes já tiveram algum tipo de contato com o álcool, sendo que 75% referem manter uso contínuo. Os estudos que correlacionam tabagismo e drogas psicoativas, lícitas ou ilícitas, ainda sao escassos. Soares et al.(13) já observavam alta prevalência de fumo e álcool em universitários do Campus I da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); e Deitos et al.(5) constataram o uso de múltiplas drogas entre estudantes de escolas particulares e públicas em cidades de médio porte no Sul do Brasil.

Quanto à atividade sexual, observamos que 75% dos estudantes da pesquisa já haviam iniciado sua vida sexual, sendo que a maior parte mantinha relaçoes sem proteçao. Trabalhos como os de Pagilla de Gil (2000) demonstraram uma associaçao estatisticamente significativa entre o início das relaçoes sexuais na adolescência e o consumo de tabaco.

Estudos realizados em escolas podem fornecer subestimativas do uso de tabaco no Brasil; as pesquisas de base populacional fornecem medidas mais adequadas, já que se observa uma relaçao entre o hábito de fumar e a baixa escolaridade. Propostas de complementaçao deste trabalho seriam a realizaçao de estudos comparativos entre escolas das redes pública e privada, posto que em nosso meio existem diferenças socioeconômicas acentuadas, e estudos de rastreamento com adolescentes da populaçao geral.

Esses resultados demonstram a necessidade de se investigar a morbidade de fumantes, gerando subsídios para açoes preventivas e controle do tabagismo na adolescência. O Ministério da Saúde (MS) do Brasil tem trabalhado no combate ao fumo no país através de campanhas antitabagistas, criaçao de leis como a proibiçao do fumo em locais públicos e da venda de cigarros a menores de 18 anos, aumento do preço do cigarro e programa de tratamento de dependentes do tabaco pela rede do Sistema Unico de Saúde (SUS) de forma abrangente e gratuita.

AGRADECIMENTOS

A equipe do NESA/UERJ que participou de todas as etapas do Mutirao de Saúde e ao Dr. José Luiz Tavares pela valiosa colaboraçao.

Bibliographic References

1. Center for Disease Control and Prevention. Preventing tobacco use among young people. A report of the surgeon general. Executive summary. Recommendations and reports. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1994;43:1-11.

2. Center for Disease Control and Prevention. Reasons for tobacco use and symptoms of nicotine with drawal among adolescent and young adult tobacco users. United States, 1993. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1994;43:745-50.

3. Center for Disease Control and Prevention. Youth tobacco surveillance United States, 1998-1999. Surveilance summaries. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2000;49:1-104.

4. Coordenaçao de Prevençao e Vigilância/INCA/MS. Prevalência de tabagismo no Brasil. Dados dos inquéritos epidemiológicos em capitais brasileiras. maio de 2004.

5. Deitos FT, Santos RPP, Pasqualatto AC, Segat FM, Benvegnú LA. Prevalência do consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas em estudantes de uma cidade de médio porte no Sul do Brasil. Inf Psiquiat 1998;17(1):11-6.

6. Luz MTM, Castro e Silva R. Vulnerabilidade e adolescência. In: Nélia S, Tabosa Mota MSF, Castelo Branco V, editores. Cadernos juventude, saúde e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Area de Saúde do Adolescente e do Jovem; 1999. p.93-6.

7. Malcon MC, Menezes AMB, Chatkin M. Prevalência e fatores de risco para tabagismo em adolescentes. Rev Saúde Pública Fev 2003,37(1):1-7.

8. Brasil. Ministério da Educaçao e Cultura. Censo educacional 2000. Disponível em: < http://www.inep.gov.br/ censo2000/censoescolar >.

9. Muza GM, Bettiol H, Muccilo G, Barbieri MA. I-Prevalência do consumo por sexo, idade e tipo de substância. In: Consumo de substâncias psicoativas por adolescentes escolares de Ribeirao Preto, SP (Brasil). Rev Saúde Pública 1997;31:21-9.

10. Neto ASM, Cruz AA. Tabagismo em amostra de adolescentes escolares de Salvador, Bahia. J Pneum 2003,29(5).

11. Ulate F. Fumado en adolescentes. Rev Med Hosp Nac Ninos (Costa Rica) 1987;22:59-68.

12. Skjldebrand J, Gahnber L. Tobacco preventive measures by dental care staff. An attempt to reduce the use of tobbaco among adolescents. Sewd Dent J 1997;21:49-54.

13. Soares MJ, Rlim Filho EL, Lobao AF, Lira F, Lima MC. Padroes de consumo de substâncias psicoativas lícitas entre estudantes universitários do campus I – Joao Pessoa-PB. CCS 1995;14(2):33-7.

14. Tomar SL,Winn DM, Swango PA, Giovino GA, Kleinman DV. Oral mucosal smokeless tobbaco lesions among adolescents in the United States. J Dent Res 1997;76:1277-86.

1. Médica pediátrica e clínica de adolescentes; alergista responsável pelo serviço de alergia do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA); professora da pós-graduaçao da área de adolescência da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/UERJ).
2. Médica pediátrica e clínica de adolescentes; médica contratada do Serviço de Acolhida do NESA.